A Lei Maria da Penha é muito mais do que a parte criminal’, diz promotora do Gedem No mês de março, o Bahia Notícias enfoca em uma série de
entrevistas com algumas das diversas faces femininas do Judiciário
baiano. A entrevistada da vez é a Márcia Teixeira, coordenadora do Grupo
de Atuação Especial em Defesa da Mulher (Gedem), órgão ligado ao
Ministério Público da Bahia, além de também ser promotora de Justiça
titular da 12ª Promotoria de Justiça da Cidadania do Ministério Público
da Bahia. Márcia comenta sobre os avanços e dificuldades que as
políticas de proteção para a mulher têm tido na Bahia e no Brasil desde a
implantação da lei Maria da Penha, em 2006. “A discussão dá um salto
com a lei Maria da Penha. Ela é muito mais que a parte criminal, é uma
proposta de reflexão de todas as políticas em relação a mulher”. Leia
abaixo a entrevista completa.
A senhora assumiu a coordenadoria do
Grupo de Atuação Especial em Defesa da Mulher aqui na Bahia bem no
início da criação da Lei Maria da Penha. Como foi esse processo de
implantação até os dias atuais?
A lei entrou em vigor em setembro de 2006. Em dezembro, o
procurador-geral à época, que era Lidivaldo Britto, recebeu
representações de mulheres e dos movimentos sociais. Eles fizeram essa
visita a defensoria, ao tribunal de justiça e o ministério público, e
eles se comprometeram a criar uma promotoria, um núcleo para dar conta
dessa demanda. Internamente, nós discutimos e em dezembro surge um grupo
especial de defesa das mulheres. Nós começamos a trabalhar efetivamente
nessa temática em 2007. Essa preocupação com a questão da violência
contra a mulheres vem sendo construída. A legislação entra em vigor por
uma necessidade da nossa sociedade, mas a gente continua sempre
trabalhando para sua ampliação, porque a sociedade é dinâmica. E a
legislação tem que acompanhar, seja com a jurisprudência ou com as
interpretações. Isso a gente vem fazendo ao longo desses anos. Nesse
primeiro momento, o Gedem é um núcleo diferenciado no Brasil, porque nós
não trabalhamos só com a violência doméstica e parte criminal, mas
também com todas as demais demandas que são apresentadas a partir da Lei
Maria da Penha. A questão dos direitos coletivos, das políticas
públicas. O Gedem vem se preparando para essas demandas que vão
surgindo. Em 2014, houve uma alteração na nossa legislação para incluir
na resolução ltambém a população LGBT por conta dessa necessidade de
mais um grupo da sociedade que necessita de orientação nessas questões
das políticas públicas. Junto com os movimentos sociais, que são os
principais sinalizadores das necessidades de políticas públicas, o
ministério público faz essa aproximação, tentando aproximá-los do poder
político. O Gedem é um grupo que tem essa dinâmica e pelas respostas que
temos tido, pela quantidade de estudantes que vem nos entrevistar,
pelos trabalhos das professoras das universidades que têm sido feitos
nos citando como uma boa prática, vários ministérios públicos têm
seguido uma mesma dinâmica, com as suas inovações específicas. Isso tem
sido muito bom, a Copevid (Comissão Permanente de Combate à Violência
Doméstica e Familiar Contra a Mulher) é um espaço de compartilhamento de
experiências, boas práticas, e isso nos fortalece nacionalmente.

Quais são os principais problemas que as mulheres ainda enfrentam para poder denunciar?
As principais dificuldades são atomizações das instituições, por eles
não estarem juntos no mesmo lugar fisicamente, a dificuldade de como
funcionar essa rede tanto dos órgãos da saúde e de ação social que
também funcionam atomizados e o sistema de justiça, a falta desse
apoio.
Há situações em que as mulheres que sofrem essas violências
correm risco de vida, especialmente por ex-parceiros que não aceitam o
fim do relacionamento. Elas pedem proteção judicial, que muitas vezes
não vem, e elas acabam morrendo. Quais as causas desta omissão por parte
do estado e do poder judiciário?
O que acontece é o seguinte: A Bahia tinha só duas varas de Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher, uma em Salvador e outra em Feira
de Santana. Teremos agora mais duas, uma em Vitória da Conquista e outra
em Salvador. Imagine que uma cidade de três milhões de habitantes, com
52% de mulheres, e que, de acordo com as pesquisas, uma em cada três
mulheres já sofreu algum tipo de violência, uma vara especializada é
muito pouco. A gente tem na lei Maria da Penha a medida protetiva. Na
hora que a mulher diz que está em uma situação grave e precisa da medida
protetiva e a lei diz tem 48 horas para que seja cumprida. Muitas
dessas medidas protetivas eles são deferidas e são cumpridas, mas
dezenas de milhares não são. Nós temos sorte. Se formos analisar apenas
por números, o número de baixas, é até pequeno. Sem olhar vidas e sim
números. Mas a gente deve até ter mais casos no interior que não
sabemos. No Distrito Federal, nós temos 19 varas de violência doméstica e
42 promotores. Em Salvador, atualmente nós temos duas promotoras na
vara. O que é isso? Por isso que nós somos o segundo estado mais
violento contra as mulheres no Brasil.
Segundo dados divulgados pelo Ipea, entre 2001 e 2011, mais de
60% das mulheres que foram assassinadas no Brasil eram negras. A
maioria delas, de classe baixa. Então pergunto para a senhora: a morte
de mulheres no Brasil tem cor e classe social?
Sem sombra de dúvida. Ser mulher é um fator de vulnerabilidade. Ser
negra também. Se for pobre, deficiente ou lésbica também. Quanto mais
especificidades você vai incluindo, a pessoa vai levando esse rótulo de
vulnerabilidade muito maior. Fora a questão da baixa escolaridade.
Porque ela não sabe que medidas tomar, não tem muita opção de trabalho.
Essas mulheres estão muito mais vulneráveis do que mulheres de classes
sociais elevadas.
Outro estudo do Ipea mostra que entre 2009 e 2011 estima que
ocorreram mais de 16 mil feminicídios no Brasil. E a Bahia é o segundo
estado com maior índice de assassinatos. Além da região Nordeste ser
considerada a de maior índice em relação as outras regiões brasileiras.
Quais seriam as causas que levam a baiana a ter um índice tão alto?
Acho que tem a questão vulnerabilidade econômica e também a violência
urbana, já que nosso estado infelizmente não está como exemplo em
segurança pública. Mas, como eu disse no início, a gente não sabe se
essas mortes de mulheres se deram por acidente de trânsito, latrocínio,
motivada por bala perdida, por uma briga no bar. A maioria dessas
informações não nos dá certa da forma que aconteceu aquela morte
violenta. Mas isso nos mostra, assim como no Espírito Santo que está em
primeiro lugar, que a violência urbana tem um impacto muito grande, não
só a violência de gênero, nessas mortes violentas de mulheres. O grande
problema que nós temos é a falta de investimento em ações sociais, na
educação e a questão da segurança pública. Não temos opções de lazer
para envolver os jovens. Eu assisti uma apresentação de uma pesquisa da
professora Mary Castro, da Universidade Católica, na qual em uma
pesquisa sobre jovens uma resposta me chocou muito. O que você espera da
vida? Muitos responderam ficar vivo. Ficar vivo para uma menina pobre,
negra, de determinadas localidades, já é muito precioso. E a gente não
se conta do que isso significa. Essas meninas estão pedindo para viver e
não tinha perspectiva de futuro. Isso é muito triste.
Para terminar, qual é o balanço que a senhora faz desses nove anos da lei Maria da Penha?
Acho que com a lei, muitos temas relacionados a mulher passam a ter
visibilidade. Muitas instituições passam a refletir sobre a questão de
gênero. Muitos órgãos começam a se preocupar com a mulher nesse
contexto. Essa violência ela salta abruptamente de dentro de casa para
fora. Começa a se pensar que existem homens e mulheres. Então nós
estamos tendo um ganho extraordinário para a sociedade. Se a gente
acompanhar a ampliação de serviços, o número de pensadores, professores e
juristas que está pensando sobre isso, que leva para o cotidiano esses
questionamentos sobre gênero. Isso vai trazendo uma reflexão sobre
criação, orientação sexual, as violências praticadas contra as crianças,
temos que incluir nisso as violências praticadas contra as meninas,
barbaridades que acontecem dentro das casas e que a sociedade faz de
conta que não está vendo. Basta uma conversa com médico que trabalhe em
emergência para ver quantidade de bebes que são estuprados. Essa
discussão dá um salto com a lei Maria da Penha. Ela é muito mais que a
parte criminal, ela é uma proposta de reflexão de todas as políticas em
relação a mulher. Temos muito a aprender e evoluir com ela, mas tivemos
grandes avanços e impactos positivos. Se a gente imaginar o
planejamento estratégico do ministério público. A equipe em 2007 éramos
eu e uma estagiária em 2007. Hoje somos muitos promotores no projeto de
enfrentamento A gente tem uma casa com psicólogo, advogada, assistente
social. Temos carro para levar as mulheres. Claro, temos fragilidades.
Antes eu estava sozinha, numa sala de seis metros quadrados, agora estou
numa casa com uma equipe fantástica, bem preparada. Numa casa de quase
400 metros quadrados. Isso não é só aqui na Bahia. É no Brasil inteiro
que temos colegas dedicados na causa.
FONTE: Bahia Notícias
VEJA BAIXA GRANDE, MARCELO BARBOSA JP
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